Na manhã desta segunda-feira (12), a Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) sediou uma audiência pública dedicada à conscientização e ao enfrentamento da fibromialgia. A iniciativa, proposta pela deputada Michelle Melo (PDT), reuniu autoridades, profissionais da saúde, pacientes e representantes da sociedade civil para discutir os desafios enfrentados por pessoas que convivem com essa condição crônica.
Na abertura da audiência, a deputada Michelle Melo destacou a urgência de dar visibilidade à fibromialgia e o quanto a doença afeta, principalmente, as mulheres acreanas. A parlamentar ressaltou que se trata de uma síndrome crônica, silenciosa e muitas vezes incapacitante, que compromete não apenas a saúde física, mas também a rotina de milhares de mulheres. “Nós temos mulheres que sofrem dores todos os dias, uma síndrome crônica, silenciosa, invisível, e muitas vezes até incapacitante naquilo que diz respeito às suas atividades laborais e às suas atividades diárias”, frisou.
Michelle também enfatizou a importância da união entre os Poderes e entidades da sociedade civil na construção de políticas públicas efetivas. Ao citar a presença da presidente da Associação de Fibromialgia do Acre, do Ministério Público, da Defensoria Pública e de representantes da saúde, a deputada reforçou o compromisso com ações concretas. “Hoje, principalmente, a nossa intenção é tentar sair daqui com encaminhamentos que possam trazer a vocês um pouco mais de dignidade”, declarou.
Lene Queiroz, presidente da Associação de Fibromiálgicos do Estado do Acre “Daniel Lenz”, emocionou o público ao relembrar a trajetória do ativista Daniel, falecido em 2020, vítima da Covid-19. Ela pontuou que Daniel foi uma figura central na luta pelos direitos das pessoas com fibromialgia e sempre teve o desejo de realizar uma audiência pública no Acre. “Ele tinha um desejo muito grande de vir ao Acre e fazer uma audiência pública. No ano em que faleceu, ele disse que queria vir aqui. Por isso colocamos o nome dele na nossa associação como presidente de honra”, explicou.
Lene aproveitou a oportunidade para agradecer à deputada Michelle Melo pela sensibilidade com a causa e por ter proposto o requerimento da audiência. Ela destacou a importância simbólica da data, já que o dia 12 de maio é reconhecido nacional e mundialmente como o Dia da Conscientização e Enfrentamento à Fibromialgia. “É um momento muito importante para nós que estamos aqui hoje. Em várias cidades do Brasil estão sendo realizadas audiências públicas, eventos de solenidade, tudo para dar voz a essa causa que é tão invisível”, afirmou.
De forma virtual, o médico cirurgião Daniel Bosch, que atua na cidade de São Paulo no tratamento de pacientes com doenças neurológicas, compartilhou sua experiência com a fibromialgia e outras enfermidades neurodegenerativas, destacando os impactos profundos na qualidade de vida dos pacientes. “Falar sobre essa condição é essencial, porque lidamos com pessoas que sofrem muito com o diagnóstico, não apenas pelas dores físicas, mas também pelo comprometimento da saúde mental, do sono, da cognição e pela perda da capacidade funcional no dia a dia”, afirmou. O especialista ainda alertou sobre a necessidade de ampliar o olhar da saúde pública sobre a fibromialgia, reconhecendo-a como uma doença que exige atenção integral ao paciente e também aos seus cuidadores.
A representante da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Acre (OAB/Ac), Dra. Aline, compartilhou sua experiência como pessoa que convive com a fibromialgia há mais de dez anos e fez um apelo por mais empatia e respeito aos direitos dos pacientes. “Muitas vezes, não somos compreendidos e acabamos vítimas de violências institucionais ou da completa negligência. É muito difícil acessar direitos que deveriam ser automáticos, o que gera sofrimento e angústia”, declarou. Ela destacou que a OAB tem acompanhado com atenção essas demandas e se colocou à disposição para contribuir com o fortalecimento de políticas públicas voltadas à causa.
Durante sua fala, o representante do Ministério Público destacou a importância do diálogo institucional e da escuta ativa para a construção de políticas públicas voltadas às pessoas com fibromialgia. Ele elogiou a realização da audiência e reforçou o compromisso do MP em atuar de forma sensível e responsável diante das demandas apresentadas. “É uma grande satisfação voltar à Aleac para tratar de um tema tão relevante. Todos nós, em nossos papéis profissionais, temos a oportunidade de fazer luz na vida das outras pessoas. Isso se constrói no diálogo, na escuta e no respeito”, afirmou, ao agradecer o convite e colocar a instituição à disposição para colaborar com o enfrentamento das dificuldades vividas por esses pacientes.
A representante da Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre), iniciou sua fala agradecendo à deputada Michelle Melo pela realização da audiência e destacou a importância de debater a fibromialgia com responsabilidade técnica e sensibilidade social. Ela reconheceu os desafios enfrentados pelos pacientes, especialmente no acesso a especialistas, e explicou que a Fundação Hospitalar tem direcionado seus esforços para reduzir a demanda reprimida. “A primeira medida que tomamos foi olhar com atenção para as filas na atenção especializada. A Fundação tem focado exatamente onde é mais necessário, resgatando seu verdadeiro papel e concentrando energia naquilo que realmente importa: atender quem mais precisa”, afirmou.
Em um depoimento comovente, a moradora da Cidade do Povo, Geralda, relatou sua luta diária contra a fibromialgia desde 2017 e denunciou as dificuldades enfrentadas para conseguir atendimento na rede pública de saúde. Ela destacou o desgaste físico e emocional causado pelas constantes idas à Fundação Hospitalar sem garantia de atendimento, e cobrou mais respeito e humanidade no acolhimento dos pacientes.
“A gente não tem condição de dar quatro, cinco viagens na Fundação e ouvir que tem gente esperando desde 2000. O que a gente precisa é de uma palavra de esperança, mesmo que o exame ou consulta não seja naquele dia. Só de saber que vai acontecer, já nos dá força pra continuar”, desabafou. Geralda também criticou a falta de estrutura nos postos de saúde e pediu garantias mínimas de acesso à saúde para quem, como ela, vive em situação de vulnerabilidade.
Em resposta ao depoimento de dona Geralda, a deputada Michelle Melo lamentou a ausência de representantes do município na audiência e destacou que grande parte das dificuldades enfrentadas pelos pacientes com fibromialgia diz respeito à responsabilidade da gestão municipal. “A gente precisa ter fisioterapia perto de casa, psicólogo para conversar, para que a pessoa tome menos remédio e sofra menos. O SUS não foi pensado para atender só de vez em quando, mas para estar presente na vida das pessoas, no posto de saúde do bairro”, afirmou.
A parlamentar criticou a falta de estrutura oferecida pelas unidades básicas e ressaltou que os pacientes não podem continuar peregrinando até a Fundação Hospitalar para tentar ser atendidos. “Fico chateada por não ter nenhum representante do município aqui, porque é deles que precisamos dessa resposta”, concluiu.
A presidente da Fundhacre, Dra. Sóron Steiner, participou da audiência pública reafirmando o compromisso da instituição com os pacientes que convivem com a fibromialgia. Ela destacou que a Fundação está à disposição para ampliar as ações em regime de mutirão, com o objetivo de reduzir a fila de espera por consultas especializadas. “Queremos dar maior celeridade à demanda reprimida e garantir que os pacientes esperem menos tempo por aquilo que é de direito deles”, afirmou.
Dra. Sóron Steiner também ressaltou que a audiência gerou encaminhamentos positivos, que serão colocados em prática com o apoio da Sesacre. Entre eles, está a criação de uma carteira de identificação para os pacientes fibromiálgicos e a ampliação do atendimento no Centro de Referência para o Programa de Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (Creme). “Em parceria com a Sesacre, vamos avançar nessas pautas, e a ampliação do Creme, conforme compromisso da secretária Ana Cristina, trará maior resolutividade aos atendimentos desses pacientes”, concluiu.
Ao encerrar a audiência pública, a deputada Michelle Melo (PDT) apresentou uma série de encaminhamentos construídos a partir das demandas apresentadas pelos participantes, reforçando o compromisso com a causa da fibromialgia. Ela anunciou que solicitará à Sesacre a criação de um Plano Estadual de Atenção ao Paciente com Fibromialgia, com protocolos e diretrizes específicas, além da emissão de carteirinhas em parceria com a Pesacre. “Vamos conversar sobre a lei que garante que o laudo de vocês é permanente, buscar ampliar o tempo de validade das receitas e garantir mais vagas de retorno nas especialidades. Tudo isso será cobrado junto aos órgãos competentes”, afirmou. A parlamentar também destacou a importância da presença dos pacientes: “Isso só é possível porque vocês vieram. Parabéns a todos que participaram e contribuíram com essa construção coletiva”.
Fibromialgia: uma realidade que afeta milhões
A fibromialgia é uma síndrome caracterizada por dores musculares generalizadas, fadiga, distúrbios do sono, ansiedade e alterações de memória e atenção. Estima-se que cerca de 3% da população brasileira seja afetada pela doença, o que representa aproximadamente 7 milhões de pessoas. A condição é mais prevalente entre mulheres, especialmente na faixa etária de 30 a 50 anos.
Apesar de não causar inflamações ou danos permanentes aos tecidos, a fibromialgia pode comprometer significativamente a qualidade de vida dos pacientes. O diagnóstico é clínico, baseado na história do paciente e na exclusão de outras doenças, já que não existem exames laboratoriais específicos para sua detecção.
Avanços e desafios no tratamento
O tratamento da fibromialgia é multidisciplinar e visa aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Inclui práticas como exercícios físicos regulares, terapias psicológicas, uso de medicamentos específicos e técnicas de relaxamento. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece acompanhamento e tratamento para pacientes com fibromialgia, inclusive com a entrega de medicação.
Entretanto, muitos pacientes enfrentam dificuldades no acesso a diagnósticos precisos e tratamentos adequados, o que reforça a importância de políticas públicas voltadas para essa população. A audiência pública na Aleac representa um passo significativo na luta por maior visibilidade e suporte às pessoas que convivem com a fibromialgia.