Quem piscou primeiro? Essa é a pergunta feita por uma reportagem escrita a seis mãos pelos jornalistas do Financial Times em Washington, Beijing e Londres. Falavam sobre o acordo anunciado entre Estados Unidos e China em que ambos os lados suspenderam temporariamente a maior parte das supertarifas que cada país impôs ao outro. No Brasil, fontes que acompanham essa guerra tarifária avaliam que há um alívio, mas não o fim da crise. Mesmo que a trégua seja mantida como solução permanente, o que ficaria de tudo isso é que os Estados Unidos elevaram sua tarifa contra todos os países, criaram barreiras ainda maiores para alguns produtos e quebraram as regras multilaterais de comércio.
O Financial Times revela que o primeiro encontro de alto nível entre os dois lados ocorreu há três semanas durante a reunião do FMI. O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, e o ministro das Finanças da China, Lan Fo’an, se encontraram secretamente no subsolo do prédio do Fundo. O comércio bilateral estava perto do colapso, mas a crise acabou sendo enfrentada pelas autoridades das Finanças e não as do Comércio.
Na verdade, os dois lados recuaram porque chegaram muito perto do abismo, viram o tamanho do buraco. A política de Trump foi pensada para atingir a China, mas estava ferindo a economia americana também. O que ficou provado nesse recuo é o que muitos economistas já haviam dito desde o começo: não há mais como desatar as ligações das cadeias globais de produção que estão disseminadas por diversos países. Além disso, as conexões entre as duas maiores economias do mundo são densas demais para serem simplesmente desfeitas de uma hora para a outra.
Na negociação que ocorreu no último fim de semana na Suíça, entre Bessent e o vice-primeiro-ministro chinês He Lifeng, e que terminou no acordo de ontem, participou também o secretário do escritório comercial da Casa Branca, Jamieson Greer, mas basicamente foi um acerto feito pelo secretário do Tesouro. Na visão de uma autoridade chinesa não identificada, os Estados Unidos “amarelaram”. Economistas americanos ouvidos pelo jornal inglês também acham que quem piscou foi o governo americano. Mas o fato é que a economia dos dois países estava reduzindo o ritmo drasticamente. Do lado americano, estavam se confirmando as previsões de que a guerra tarifária elevaria a inflação e reduziria o PIB.
O que houve foi explicado em diversos jornais brasileiros e estrangeiros como um “cessar-fogo”. Parece mais uma dupla rendição, já que os dois lados mostraram que queriam rapidamente o acordo, tanto que foi negociado em tempo recorde. A explicação de uma autoridade do governo brasileiro para o acordo é que “houve uma certa conscientização no governo americano de que há um limite para o poder, para o uso do poder americano na área comercial diante de uma potência como a China. Até porque, os prejuízos internos, neste um mês de vigência das supertarifas, são muito consideráveis. Os chineses foram duros, resistiram e levaram”.
Desde que começou a se falar em guerra tarifária, as bolsas caíram, o valor do dólar recuou frente à maioria das moedas, importações deixaram de ser feitas — o que paralisou a produção de inúmeras mercadorias — e exportações foram suspensas por retaliação. Ontem, a escalada de alta das bolsas e do dólar foi a recuperação de uma parte pequena do que havia sido perdido.
Um integrante do governo brasileiro que analisou com calma, tanto o relatório da Casa Branca, quanto o comunicado conjunto, avalia que não está claro ainda qual é a tarifa a ser cobrada pelos Estados Unidos.
— Na verdade, a Casa Branca disse que baixou 115 pontos percentuais as tarifas, então ficaria em 30%. Mas o curioso é que a nota conjunta dos dois países dá a entender que, na verdade, todos baixaram para 10%, com exceção dos setores que têm uma tarifa especial. Para mim, não está claro — diz a fonte.
A questão é que se é a Casa Branca que está certa e a tarifa caiu de 145% para 30%, o problema permanece. Esse percentual é da tarifa extra que será acrescida a outras tarifas impostas anteriormente. Scott Bessent disse que um nível de 40% praticamente inviabiliza boa parte do comércio e faz de fato as duas economias se descolarem, com os prejuízos para ambos os lados. Trump tenta resolver o problema que ele mesmo criou.
Miriam Leitão, jornalista
Fonte: https://oglobo.globo.com/