Ao longo dos últimos meses, as pesquisas vêm apresentando piora contínua na avaliação do governo. Porém, começaram a surgir sinais no radar de alguns analistas políticos de que haveria uma inversão na tendência. Segundo essa percepção, a proposta de reforma do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) que tramita nas casas legislativas teria o condão de reverter o quadro desanimador das pesquisas de opinião, pois sua aprovação seria uma boa notícia para a base de eleitores simpatizantes do presidente Lula, mas que vinham demonstrando insatisfação com sua gestão. No entanto, o surgimento, nestes últimos dias, da fraude no INSS colocou em xeque esse caminho promissor tão aguardado pela assessoria de comunicação do Planalto. Seja como for, o governo continua apostando na reforma do IRPF para reverter a queda nas pesquisas.
A essa altura o leitor deve estar se perguntando: no fim de 2024, quando foi anunciada a reforma do IRPF, houve uma saraivada de críticas - o que mudou desde então? Por que acreditar que existiriam expectativas tão positivas quanto ao ganho político do governo Lula com a reforma do IRPF?
De fato, quando o pacote fiscal foi divulgado pela equipe econômica, a desoneração de IRPF às pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês veio de contrabando, causando grande celeuma entre os analistas econômicos por seu forte impacto negativo nas contas públicas.
Na verdade, sem conhecer o detalhamento da proposta àquela época, havia o temor de que o custo fiscal oriundo da nova regra pudesse beirar os R$ 100 bilhões anuais. No caso, a premissa utilizada pelos especialistas para chegar a esse expressivo montante era de que a faixa de isenção seria de R$ 5 mil, beneficiando todos os contribuintes na parcela da sua renda até esse valor. Além disso, o projeto pressupunha compensar o alívio dado no Imposto de Renda pago pelos mais pobres com o aumento na tributação dos mais ricos.
Aliás, a intenção de aumentar a taxação no topo da pirâmide de renda encontra forte respaldo em comparações internacionais. Ao analisar o IRPF brasileiro, salta aos olhos quão pequena é a distância relativa entre a faixa de isenção de imposto e a faixa a partir da qual se inicia a alíquota máxima de tributação. A propósito, essa diferença diminuta não encontra paralelo no mundo desenvolvido nem sequer na América Latina. É algo que sugere baixa progressividade, e que há muito a melhorar no IRPF nacional.
Assim, embora parecesse bastante plausível a tese de aumento da progressividade nas alíquotas de tributação, os agentes econômicos perceberam a inviabilidade política de trabalhar com um cenário no qual houvesse aumento de R$ 100 bilhões anuais via taxação da parcela mais aquinhoada da população.
Diante da dificuldade política na obtenção dos R$ 100 bilhões em novos tributos a incidir no topo da pirâmide de renda, o Poder Executivo construiu uma proposta bem mais realista. Para começar, o projeto cumpre a promessa de campanha do presidente Lula ao garantir a isenção de IRPF para os cidadãos que aufiram renda mensal de até R$ 5 mil. Mas também torna o valor de necessidade de financiamento do programa muito mais palatável. Segundo cálculos de Sérgio Gobetti, em texto no Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre, esse montante gira em torno de R$ 25 bilhões ao ano.
Ao detalhar o projeto de alterações no IRPF fica clara a causa da redução da necessidade de financiamento da isenção proposta. Há, de início, um reajuste em 2025 da faixa de isenção para R$ 3.063 (dois salários mínimos), o que beneficia todos os contribuintes na parcela da sua renda até esse valor. Mas a parte mais substantiva de desoneração do Projeto de Lei (PL) 1.087/25 proposto é a isenção - que, por suas características, pode ser chamada de “desconto” - total de IRPF para quem ganha até R$ 5 mil. Esse desconto deixa de ser total, e cai gradativamente, a partir de rendas maiores que R$ 5 mil, sendo zerado a partir de R$ 7 mil. Quem ganha R$ 6 mil, por exemplo, deve R$ 411 de IRPF pelas regras atuais, levando em conta a faixa de isenção de R$ 3.063. O desconto proposto, nesse caso, seria de R$ 112, e o imposto devido cai para R$ 299.
A engenhosidade desse dispositivo está em que, por não alterar em nada o IRPF de quem ganha acima de R$ 7 mil, o impacto fiscal da isenção será muito menor do que o de um aumento convencional da faixa de isenção para R$ 5 mil.
De qualquer forma, a isenção até R$ 5 mil e a desoneração entre R$ 5 mil e R$ 7 mil geram perda de receita ainda considerável, cerca de R$ 25 bilhões, como apontado por Gobetti. Agora resta saber da viabilidade política na obtenção desse montante.
Em função da necessidade de angariar fundos para tornar fiscalmente neutra a reforma do IRPF, o governo elaborou a segunda parte do pacote que trata da tributação dos mais ricos. Creio que esta parte é a que, de fato, gerará muito debate e negociação no Congresso Nacional.
Seja como for, o exercício relevante é o de verificar se o ganho com as medidas arrecadatórias do projeto de mudança do IRPF, descrito no PL 1.087/25, compensa o custo da desoneração.
Em suas análises e cálculos, meu colega Manoel Pires conclui: “Mesmo com suposições bastante pessimistas sobre a arrecadação, chega-se a um valor que se aproxima bastante daquele que será perdido com a desoneração do IRPF”. O conjunto de medidas como um todo, portanto, torna consistente do ponto de vista fiscal o PL 1.087/25.
Por fim, é importante deixar claro que, apesar de trazer avanço na progressividade do IRPF, os ganhos distributivos não são notáveis. Do ponto de vista da distribuição de renda, o projeto do IRPF em tramitação nas casas legislativas tem, como bem aponta estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da FEA-USP, efeito pequeno de melhora no índice de Gini. O impacto é mais significativo quando se toma como indicador a proporção entre a renda dos 50% mais pobres e 1% mais rico, mas, novamente, não é nada muito relevante.
Luiz Schymura, Doutor em Economia pela Fundação Getulio Vargas, Mestre em Economia pela Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas. Engenheiro Eletricista.