..::data e hora::.. 00:00:00

Artigos

23.1 digital master pmrb iptu premiado 2025

Movimento sindical brasileiro na encruzilhada

Movimento sindical brasileiro na encruzilhada

Ficou em segundo plano uma declaração recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a ajuda que ele pretende dar à articulação política das centrais sindicais. Elas enfrentam dificuldades para emplacar sua agenda em Brasília e vivem uma crise de representatividade em setores relevantes dos trabalhadores.

A fala de Lula ocorreu no fim do mês passado, durante entrevista coletiva convocada em Tóquio para que fizesse um balanço de sua viagem ao Japão. Além da iminente guerra tarifária e temas geopolíticos, o reportariado estava ansioso para colher algum comentário sobre a decisão que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) acabara de proferir aceitando a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por suposta tentativa de golpe de Estado.

Administrando as expectativas da imprensa, primeiro Lula fez questão de destacar que era preciso notar a presença da cúpula do Congresso Nacional, fruto de seu esforço para normalizar as relações institucionais entre os Poderes. Ao antecipar que gostaria de fazer o mesmo nas próximas viagens ao exterior, inclusive com a participação de representantes do Supremo Tribunal Federal, citou a inclusão de sindicalistas na comitiva.

Também acrescentou que, como fez durante sua viagem ao Japão, pretende continuar pedindo reuniões com representantes dos trabalhadores dos países que for visitar. Afinal, pelas suas contas, é o único presidente do mundo com origem sindical e nem sempre essas lideranças têm com quem conversar. E intimou os companheiros brasileiros: “Eu quero que vocês também se habituem, comprem terno novo, porque tem que andar bonito, sabe? E daqui para frente vocês vão ser convidados a andar, aproveitem e façam a reivindicação no avião para os deputados, convençam eles a votar nas coisas de vocês”, complementou, dirigindo-se aos líderes das centrais que acompanhavam a entrevista ao lado das demais autoridades brasileiras.

É uma ajuda e tanto. Os sindicatos têm enfrentado crescente dificuldade para emplacar suas propostas no Congresso Nacional. Ou barrar outras que, na visão de investidores, são fundamentais para melhorar o ambiente econômico do país ao modernizar a legislação.

A bancada ligada às centrais é menor que a do empresariado e a ligada ao agronegócio, tanto que lideranças têm defendido que pode ser mais efetivo pressionar os parlamentares nos Estados do que tentar realizar mobilizações em Brasília. Para quem não consegue acessar os principais gabinetes do Parlamento e do STF, essas horas no avião presidencial podem ser estratégicas.

No Supremo, por exemplo, entrou no radar a decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender todos os processos que tratam da licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, a chamada “pejotização”. A suspensão permanecerá válida até que o plenário da Corte julgue o mérito do caso, e a decisão terá repercussão geral. Ou seja, precisará ser seguida por todos os tribunais do país que julgarem casos semelhantes.

Na Câmara, o desafio é emplacar um projeto que, sem a impressão digital do Poder Executivo, tente fortalecer a negociação coletiva e criar parâmetros para a regulamentação da contribuição sindical. A decisão do Supremo dada em 2023 declarando a legalidade da prática pode facilitar um entendimento, apesar de ainda haver divergências sobre o formato de adesão dos trabalhadores à contribuição e o rateio dos recursos. Em paralelo, pode-se abrir um caminho para a criação de centrais sindicais patronais.

Mas há quem argumente inclusive no meio sindical que há poucas chances de se avançar com essa agenda na atual legislatura, incluindo na mesma gaveta propostas como a redução da jornada sem corte salarial ou o fim da escala 6x1. A prioridade deveria ser ampliar a cobertura dos sindicatos em um contexto no qual muitos trabalhadores não se sentem representados, focando em bandeiras como segurança no trabalho e saúde mental. Ou seja, buscar uma conexão com as novas realidades do mercado de trabalho e criar formas de representar os trabalhadores de aplicativos, superando um ambiente de aversão ao sindicalismo nesses segmentos.

É nesse contexto que dirigentes do PT têm cobrado as centrais não só pela incapacidade de mobilização nas ruas, mas também criticado a defasagem na linguagem empregada em eventos que, na prática, muitas vezes atraem pessoas mais interessadas no que é sorteado do que em encampar as bandeiras da esquerda. Sustenta-se que os atos devem conter símbolos, imagens e falas breves. Fugir de discursos obsoletos e proporcionar a emoção, disputando a juventude com a oposição.

Dias depois da entrevista coletiva concedida por Lula no Japão, as atenções se voltaram para os Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump promoveu o espetaculoso anúncio de aumento generalizado de tarifas comerciais. Logo no início do evento, ele chamou ao palco instalado nos jardins da Casa Branca um trabalhador aposentado da indústria automotiva de Detroit para defender a guerra comercial que estava sendo declarada, apoiando-se no aliado para tentar construir a imagem de defensor da classe trabalhadora.

O movimento sindical tradicional está numa encruzilhada. E isso não ocorre apenas no Brasil, onde partidos de centro têm ocupado espaços estratégicos nesse campo e muitos trabalhadores por aplicativos se identificam mais com a oposição.

Fernando Exman, jornalista

Fonte: https://valor.globo.com/