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Dinâmica de radicalização 

Qualquer análise prospectiva deve focar em sinais que indicam um maior ou menor nível de consolidação de um status quo. A mudança é sempre a regra. A questão é saber como e, principalmente, quando.

No balanço entre fatores pró e contra Jair Bolsonaro, o saldo ainda lhe é favorável. Como tenho apontado, o governo tem sido eficiente na construção de linhas de defesa contra iniciativas de interrupção do seu mandato: coalizão com partidos do centro, redução da retórica de conflito com governadores, promessa de medidas anticíclicas na economia e nomeação de militares para postos chave na burocracia civil.

Os pontos fracos dessa estratégia de normalização política são a retórica agressiva presidencial e a não censura de manifestações autoritárias por parte dos seus apoiadores. Nesse sentido, Bolsonaro é acusado mais por falta de uma etiqueta política/democrática do que por medidas que atentem contra o regime constitucional. O problema seria mais de forma do que de conteúdo.

Uma pequena pesquisa feita na rede social Twitter ilustra como funciona esse sentimento. Foi perguntado o seguinte: “se chegarmos ao final de 2022 dizendo ‘as instituições venceram’, isso significará que Jair Bolsonaro (a) foi ‘impichado’ ou (b) se adequou às regras e completou seu mandato. A primeira opção venceu na proporção 71% vs. 29% dos votos. O resultado é desconcertante porque indica que o rompimento das regras por si não é a questão. O problema é a pessoa do presidente (ou, talvez, sua falta de resultados).

Curiosa coincidência, essa pesquisa via Twitter, que não atende qualquer regra metodológica, mostrou os mesmos 70% que o movimento #JUNTOS afirma representar. Trata-se de um abaixo assinado lançado neste domingo (31), sem identificação clara dos autores, mas com “assinaturas iniciais”.

Os signatários mais conhecidos são Luciano Huck, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e outros membros da elite acadêmica e cultural. Sem objetivo claro, a não ser pedir que políticos se comportem de acordo, o movimento diz inspirar-se nas Diretas Já.

Outra novidade foi a presença de torcidas organizadas de clubes de futebol na avenida Paulista, principal local de protestos de São Paulo. A manifestação terminou em confusão. Trata-se do primeiro movimento de rua contra Bolsonaro desde que estudantes protestaram em maio de 2019, mas é dificílimo pensar que a classe média vai descer dos seus apartamentos para acompanhar os torcedores.

Tanto o abaixo assinado quanto a manifestação das torcidas organizadas são iniciativas pequenas. Pelo caráter elitista e indefinido de um e a natureza sectarista do outro, é difícil que se tornem atores com peso no processo de oposição a Bolsonaro, mas devem ser monitorados na medida em as condições ambientais são complicadas, com queda da economia e desemprego em alta.

Nesta quarta (3), o vice-presidente, general Hamilton Mourão, sugeriu que os movimentos, compostos de muitos “perdidos com armas na mão”, promovem uma radicalização sem razão, na medida em que o presidente Bolsonaro só teria cruzado linhas vermelhas no campo da retórica. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

Se hoje há, como sugeriu Mourão, manipuladores de manifestantes apostando na reprodução das jornadas de 2013, é porque entende-se que há clima propício para tanto. Nesse sentido, é bom lembrar que a radicalização dos apoiadores do presidente veio antes e deve ter contribuído para a consolidação de uma percepção de que Bolsonaro e democracia são termos incompatíveis.

A pacificação do país não é possível no curto prazo em função de estarmos presos a um paradoxo. Só Bolsonaro pode aliviar o ambiente por meio da desmobilização do seu pessoal. No entanto, ele não fará isso enquanto se sentir ameaçado. Esse é um dos mecanismos necessários ao processo crescente de radicalização política.


Leonardo Barreto. Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) com especialização em comportamento eleitoral e instituições governamentais.

Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/noblat