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Com ‘caso USAid’, direita brasileira pega carona em Trump para tentar anistiar Bolsonaro

Com ‘caso USAid’, direita brasileira pega carona em Trump para tentar anistiar Bolsonaro

Esqueça a guerra de tarifas que avança sobre o aço brasileiro, a proposta de transformar a Faixa de Gaza num resort ou a possibilidade de a guerra na Ucrânia acabar com a entrega de parte do território do país à Rússia de Vladimir Putin. De todas as mirabolâncias perpetradas por Donald Trump neste início do mandato, a que mais reverbera na direita brasileira é a ofensiva sobre a Usaid, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.

Mais conhecida pela ajuda humanitária que presta em regiões pobres, como a África Subsaariana, a América Central e a Ásia, a Usaid financia de iniciativas de aleitamento materno e prevenção da Aids a programas anticorrupção e debates sobre transição de gênero.

Criada por John Kennedy nos anos 1960, para aumentar a influência americana contra a potencial expansão da revolução cubana ou do comunismo russo, a Usaid já colaborou com a ditadura brasileira e foi usada pelo governo Bush para financiar a reconstrução do Iraque depois da queda de Saddam Hussein. Atua ao gosto do freguês. Seu orçamento, de US$ 40 bilhões por ano, é apenas 0,6% do total de US$ 6,75 trilhões. Mas, para Trump, a Usaid é um dreno de dinheiro que só serve para pagar a “mídias de notícias falsas” e promover “boas histórias sobre os democratas”.

Por isso o que mais se vê nas redes trumpistas são assessores e apoiadores pinçando exemplos de conveniência para justificar o desmantelamento da agência, que foi incorporada pelo Departamento de Estado. Um deles, Michael Benz, que ocupou um cargo de baixo escalão no primeiro governo Trump, declarou que a Usaid financiou a aprovação de leis contra a desinformação em vários países e que programas de combate às fake news do TSE serviram para derrubar publicações de Jair Bolsonaro e aliados.

“Se a Usaid não existisse, Bolsonaro ainda seria presidente do Brasil”, postou.

Daí a disseminar a versão de que Joe Biden “comprou a vitória de Lula contra Bolsonaro” em 2022 foi um pulo. Até agora, não se produziu nada de concreto além da informação, já conhecida há tempos, segundo a qual a Usaid, em parceria com uma entidade internacional, convidou o TSE para um evento e para participar de um estudo sobre o combate a desinformação e fake news no ano anterior à eleição.

Difícil acreditar que debates on-line transmitidos em circuito fechado tenham tido mais impacto sobre o eleitorado que as imagens de Carla Zambelli (PL-SP) correndo armada na véspera da eleição para atirar num sujeito que a provocou na rua. Ou impressionado mais que o ex-deputado federal Roberto Jefferson atirando granadas contra a viatura de policiais que tinham ido prendê-lo uma semana antes do segundo turno.

O próprio Jair Bolsonaro já admitiu em privado que esses casos fizeram a diferença numa disputa apertada, vencida afinal por Lula com 1,8 ponto percentual de vantagem — 2,1 milhões de votos.

Ainda assim, o “escândalo da Usaid” é pauta obrigatória no bolsonarismo, quase tão popular quanto o projeto que anistia os presos pelos ataques golpistas do 8 de Janeiro em Brasília.

No início da semana, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) desembarcou em Washington para reuniões com parlamentares republicanos sobre o assunto. Um deles, o senador republicano Mike Lee, perguntou no X: “Se o governo dos EUA tivesse financiado a derrota de Bolsonaro por Lula, isso te incomodaria? Eu ficaria lívido. Quem está comigo nessa?”

Elon Musk, o dono do X, respondeu: “Bem, o ‘deep state’ (algo como “o Estado paralelo”) dos Estados Unidos fez exatamente isso”.

Reforçar a narrativa de que a eleição de 2022 foi “roubada” para Lula pelo TSE é fundamental para facilitar a aceitação no Congresso do projeto que anistia os golpistas do 8 de janeiro — e, lá na frente, do próprio Bolsonaro. Sob essa régua, a movimentação do filho Zero Três do ex-presidente é um sucesso.

Enquanto isso, no governo Lula, o máximo que se ouviu sobre os despautérios de Trump é que estão todos à disposição para o diálogo. No Itamaraty, a ordem é ter “cautela” e “jogar parado”. O único que abriu a boca, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, deu razão aos bolsonaristas ao defender a revisão das penas aplicadas aos condenados pelo 8 de Janeiro.

A única “estratégia” dos governistas é esperar que a denúncia do procurador-geral da República sobre a trama golpista transforme Bolsonaro em réu no Supremo Tribunal Federal (STF) e enfraqueça a onda pró-anistia. É pouco.

Ao pegar carona na “operação Usaid”, os bolsonaristas se antecipam justamente a esse cenário e transformam o ex-presidente na maior vítima de uma grande perseguição. Quem conhece a história recente do Brasil sabe que esse argumento pode funcionar. Só depende dos ventos da política (nacional e internacional).

Malu Gaspar, jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/