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Cem anos depois, não aprendemos com Rui Barbosa

Cem anos depois, não aprendemos com Rui Barbosa

Falecido há cem anos, em 1º de março de 1923, o baiano Rui Barbosa lutou em vários ofícios — jornalista, político (deputado, ministro da Fazenda e senador), jurista (advogado e juiz eleito à Corte Internacional) e filólogo —, e todas as suas causas foram por uma cultura cívica brasileira. Conferindo à consciência coletiva de cidadania, nas respectivas populações, a boa sorte da monarquia parlamentar britânica e da República presidencial norte-americana, também a considerava fundamental à democracia no Brasil.

Tal pedagogia cívica o inspirou como abolicionista, propondo assistência aos libertos; pelo Estado laico com liberdade religiosa a quem não fosse religioso ou católico (como ele); como federalista, pela criação de municípios sem enfraquecimento nacional. Além disso, foi constitucionalista de direitos fundamentais contra arbítrios governamentais, especialmente incitando o nascente STF e ao presidir o Instituto dos Advogados; editorialista ou articulista de jornais e das letras nacionais, até fundando e presidindo a respectiva Academia. E também moralista eleitoral e administrativo, por denúncias comprovadas de corrupção do serviço público; desenvolvimentista que antecipou medidas necessárias à embrionária indústria nacional; pacifista pela arbitragem internacional e reformista que debateu direitos sociais, pioneiramente, em campanha presidencial (1919).

Cada iniciativa era justificada para viabilizar uma cultura participativa adequada ao funcionamento cotidiano das instituições democráticas. Na medida em que a população brasileira era majoritariamente dependente de oligarquias, que controlavam a imprensa e o Poder Legislativo, fomentava jornais e juízes independentes que garantissem manifestações individuais, na esperança de uma opinião pública autônoma.

Ao continental território brasileiro (que percorreu, ineditamente, em duas campanhas presidenciais), sabia corresponder uma diversidade regional a ser mantida, porém, com unidade nacional. Daí seu mandato público inicial, como deputado provincial baiano, não o ter iludido sobre a necessária unificação brasileira, mesmo eleitoral: dele foi a proposta de eleição direta de deputados gerais, durante a monarquia, quando eram eleitos indiretamente, e de controle judicial das eleições. Na valorização da política como composição entre interesses distintos, para a qual a vida militar não prepara, contestou supostas virtudes militares na administração civil em sua campanha presidencial civilista (1909).

Ainda pela integração nacional, fortaleceu o ensino público e introduziu a educação física, além de propor um Tribunal de Contas para disciplinar a gestão pública (especialmente regional e local) e defender Ministério Público autônomo, quando seus membros eram demissíveis pelos governos.

O Brasil ainda precisa ser ruiano. Cabe à população e aos poderes públicos intensificarem seus esforços para tornar conhecidos e mais efetivos os princípios democráticos da Constituição, cuja data ou semana de promulgação devia ser comemorada, amplamente, como são tais lembranças coletivas na Grã-Bretanha, EUA ou Portugal. A Rui Barbosa (cuja vida heroica merece filme biográfico) e a sua devoção pela cultura participativa, o Brasil tanto deve quanto precisa de uma pós-graduação interdisciplinar em cultura cívica, hoje estudada por várias ciências sociais.


Julio Aurelio Vianna Lopes, é pesquisador titular da Casa de Rui Barbosa

Fonte: https://oglobo.globo.com