O governo decidiu judicializar a questão do IOF por entender que houve, por parte do Congresso, uma invasão de suas competências. O Executivo pode mudar a alíquota do IOF. O Projeto de Decreto Legislativo só seria cabível caso o governo tivesse indo além das suas prerrogativas. A ideia de que isso pode aumentar a temperatura do conflito não faz muito sentido, pois já está elevada e há pouco que o governo possa fazer para amenizar o clima. Normalmente, esse ambiente político surge quando a economia está em crise. Não é o caso agora, considerando que há uma série de indicadores bons.
A inflação vem desacelerando, e os bancos têm reduzido suas projeções para o índice no ano. No Boletim Focus, a estimativa do IPCA caiu pela décima vez em 11 semanas. Está em 5,2%. O Bradesco projeta um número menor, de 5%. Embora acima do teto da meta, a trajetória é de queda, puxada em parte pelo dólar, que recuou 12,08% no primeiro semestre. Os alimentos também registram alívio nos preços, com reduções expressivas em itens simbólicos. No último IPCA-15, por exemplo, o ovo caiu 7%. O desemprego está em 6,2%, menor percentual da série histórica. A previsão do PIB está em torno de 2,2%.
A natureza da crise não está nos indicadores econômicos de emprego, crescimento, câmbio, inflação. Há um grave problema fiscal estrutural que leva ao aumento da dívida. Em maio, houve déficit público e a dívida subiu; no acumulado dos cinco primeiros meses do ano, houve superávit. O problema fiscal não se explica pelo número nosso de cada dia. O desequilíbrio não é de hoje, nem vai se resolver amanhã, precisa haver um plano de enfrentamento do problema.
A crise é política e tem sido exacerbada pelo Congresso. Com o valor extravagante das emendas, que escalaram a níveis insustentáveis desde a gestão Jair Bolsonaro, e com os fundos partidário e eleitoral em valores altos, os políticos não precisam mais das negociações com o governo para atingir seus objetivos. Isso cria uma anomalia no balanço entre os poderes no Brasil.
O Bradesco, no cenário divulgado ontem, diz que “desde o fim do ano passado, houve mudança positiva na percepção de riscos, especialmente por conta dos vetores externos”. A apreciação do câmbio, a redução das pressões inflacionárias e da curva de juros explicam essa melhora. O banco diz que o quadro fiscal permanece incerto, mas continua apostando no cumprimento das metas do arcabouço deste ano e do próximo. Projeta que, no fim do ano, haverá corte na taxa de juros. Para 2026, a previsão de inflação é de 3,8%, dentro do intervalo da meta, embora ainda não no centro da meta. Ou seja, nada há de desesperador, como se vê, que justifique tamanha gritaria política e esse clima de fim de mundo.
Ontem, o presidente da Câmara, Hugo Motta, acusou o governo de instalar um ambiente de “nós contra eles” no país. Na semana passada, Motta inesperadamente colocou em votação o projeto de aumento do IOF, e o governo perdeu de lavada. Pode-se perguntar a Motta quem fez o primeiro ataque do “nós contra eles”. Todo o ambiente no Congresso é de “vamos derrotar o governo”. Conseguiram. Agora, Motta diz que o clima azedou por culpa do Executivo.
O Caged divulgou ontem que o mercado de trabalho formal no Brasil criou, em maio, 149 mil vagas com carteira assinada. Os números do IBGE até maio mostram o mercado de trabalho no melhor patamar dos últimos dez anos. No trimestre de março a maio, houve uma queda de 644 mil de pessoas desempregadas. O total das pessoas empregadas aumentou em 1,2 milhão. A população desalentada caiu 10% no trimestre. Esse é um indicador sensível. Mostra o número de pessoas que nem procuram emprego porque acham que não vão encontrar. Hoje são 2,9 milhões de pessoas, porém foram seis milhões em 2021.
O estresse fiscal exigirá do governo uma proposta ousada, com fim de indexações de despesas. Mas como apresentar projetos assim se o Legislativo não aprova nem medidas mais cosméticas? Propostas de reformas devem ser feitas em qualquer contexto. A reforma monetária que nos trouxe o real foi apresentada e executada num ano eleitoral, e num mandato curto, o de Itamar Franco. O governo precisa formular uma saída para a crise fiscal ainda que seja realizada só na próxima administração. Qualquer que seja o grupo político que se eleja no ano que vem, o país só será governável se o problema das emendas parlamentares puder ser enfrentado.
Míriam Leitão, jornalista e escritora
Fonte: https://oglobo.globo.com/