Um mês depois das primeiras revelações do Intercept-Brasil sobre a Lava Jato, é hora de cobrar responsabilidades
Vários amigos, embora tenham horror ao atual governo, não se preocupam muito: pensam que em quatro anos as eleições o substituirão
A pregação da ética pode se tornar uma atividade lucrativa. Foi o que descobriu Deltan Dallagnol, chefe da Lava-Jato em Curitiba.
O corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel Moreira, aceitou dar curso à reclamação
Nem a indignação e certa euforia provocadas pelas revelações dos crimes de Sérgio Moro, Dallagnol e outros setores da Lava Jato
O título acima é uma sugestão gratuita para o próximo ciclo de palestras dos heróis da Lava Jato.
É estarrecedor o silêncio da Procuradora-Geral da República Raquel Dodge acerca do escândalo que atinge em cheio o coordenador da autodenominada força-tarefa da Lava Jato e vários procuradores e procuradoras.
É inquestionável que estamos diante de um abrangente e corrosivo escândalo de corrupção no Ministério Público brasileiro, com respingos escabrosos sobre desembargadores, juízes e ministros das instâncias superiores do judiciário.
No mínimo, trata-se de improbidade administrativa, desvio funcional, organização criminosa e aparelhamento do Estado para satisfazer interesses privados, políticos e de um projeto de poder coordenado desde os EUA.
Tudo documentalmente provado e trazido ao público pelo Intercept com o apoio de outros órgãos de imprensa.
Os/as procuradores/as responsáveis pelos graves desvios, ao invés de já estarem afastados e submetidos aos procedimentos da Lei e aos códigos legais e de ética da corporação, seguem, entretanto, nos respectivos cargos públicos, recebendo os mais altos salários do país, destruindo provas e obstruindo as investigações.
Além do inacreditável silêncio diante deste escândalo que ultrapassa as fronteiras nacionais e espanta o mundo inteiro, a omissão da Raquel Dodge envergonha.
A omissão da chefe da PGR só fortalece o corporativismo que protege os implicados – como no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público, que decidiu arquivar pedido de investigação do Deltan Dallagnol; e da Associação Nacional dos Procuradores da República, com seus comunicados que flertam com o delírio, tamanho nonsense.
Com seu silêncio e sua omissão, Raquel Dodge descumpre seu dever funcional e, implicitamente, pode ser acusada de cumplicidade e conivência.
Não há lugar para ilusões. Como o Estado de Direito foi estuprado e o Brasil está sob a vigência do regime de exceção, não surpreenderá se a própria Chefe do MP continuar prevaricando e descumprindo sua obrigação legal e funcional.
Assim como já não surpreende a complacência dos órgãos judiciais de controle [CNJ, CNMP] e das instâncias superiores do judiciário.
Essa inação, se não for revertida, não só manchará a gestão e a carreira da Raquel Dodge, mas afetará de modo indelével, e para pior, a imagem e a confiança no Ministério Público e da justiça.
Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial
Fonte: https://www.brasil247.com
Não falta material para ridicularizar este governo: qualquer um pode diariamente encontrar a piada pronta do sr. Jair Bolsonaro.
É muita loucura junta pra minha cabeça.
Existem duas maneiras de narrar e interpretar a reação e os desdobramentos da conferência que ministrei em São Borja,
Nós, jornalistas que há décadas acompanhamos presidentes da República em incursões internacionais, somos testemunhas:
“Em junho de 2001, o Jornal Nacional veiculava uma série de reportagens que viria a ser premiada. Marcelo Canellas e Lucio Alves apresentavam a “Fome no Brasil”. O dado revelado era que uma criança morria de fome no Brasil a cada cinco minutos. Em pleno “milagre neoliberal”, como gostam de citar alguns intelectuais e políticos de direita no Brasil, uma criança morria a cada cinco minutos no Brasil. Vou repetir, porque penso que o número deveria ser usado em qualquer discussão sobre política e economia de agora em diante. Ao começar a ouvir qualquer argumento dos defensores desta hipocrisia de direita, pare e escreva “em 2001, aos sete anos do governo FHC, uma criança morria de fome a cada cinco minutos no Brasil”. Repita ou escreva, não importa, mas sempre comece por esta informação. Em seguida, olhe a ginástica retórica que o interlocutor fará e avalie se ela se encontra no campo da ignorância ou da mácula moral insanável. Qualquer das duas opções, é uma conversa que não vale à pena.
Não sei se já mencionei, mas em 2001, uma criança morria de fome a cada cinco minutos no Brasil. O fato, chocante, inaceitável, inumano, é irrisório perto da pergunta de um pai, quando confrontado pelo jornalista se não havia como o seu filho “ganhar um pouco mais de peso”. Ana Cláudia dos Santos, a mãe, e Evangelista dos Santos, o pai, com a sabedoria de quem luta para sobreviver, respondem ao repórter “o que você acha que eu devia fazer?” Este diálogo reflete o Brasil do neoliberalismo. O repórter, obviamente não sabia sobre o que perguntava e não conseguia compreender o que via e ouvia. Provavelmente foi dilacerado a cada entrevista, eis que humano. O pai entrevistado, sequer com tempo de tirar a enxada das costas para falar, desfere a pergunta fatídica que separava os brasis de forma tão evidente. “O que você acha que eu deveria fazer?” para salvar a vida da minha filha que não tem o que comer ...
Eu me recordo de assistir esta reportagem e chorar, copiosamente. Eu não choro com hino, bandeira ou camiseta verde amarela. Não choro por cântico religioso fervoroso. Não choro por ver alguém “atingir a meta” de malhar todo dia e perder peso. Não sou de reconhecer heróis em ações ordinárias e totalmente comuns. Eu chorei como criança vendo aquela série. O olhar de Evangelista para o repórter era a demonstração de que nada, absolutamente nada naquele país, poderia estar dando certo.
O que não consigo entender é como Ana Cláudia dos Santos, a mãe, e Evangelista dos Santos, o pai, se tornaram “vagabundos que se aproveitam do Estado para não trabalhar”. Ou ainda como a fome de sua filha poderia ser um reflexo “da meritocracia” que levaria – em um livre mercado – a sociedade brasileira a ser produtiva e rica. Não entendo como Ana Cláudia e Evangelista se tornaram o “problema das contas públicas do Brasil”, tendo contra si os dedos da classe média (saciada) e da maioria dos que apertam botões no parlamento, e que hoje defendem o fim dos programas sociais, dos direitos do trabalho e a redução de vencimentos para os mais pobres.
Apenas uma sociedade doente, ignorante e hipócrita pode acreditar que Ana Cláudia e Evangelista estão sofrendo assim por que não se esforçaram o suficiente. Apenas uma sociedade lunática, cínica e monstruosa pode se convencer de que eles sofrem desta forma por não terem fé suficiente ou por não terem depositado algum valor numa conta em nome de algum deus.
E eu não falei ainda da sua bebê, que padece da fome.
Certamente quando ela crescer, depois de ter lutado para sobreviver, vai saber evitar as mazelas da sociedade. Vai se esforçar numa escola pública de algum sertão poeirento e seco e vai concorrer “de igual para igual” com alguém que comeu na infância toda e que “não aceita privilégio” de quem quer que seja.
Também não falei de você, que se “revoltou” com o conto das “pedaladas” e saiu a bater panelas vazias – de barriga cheia – querendo o “seu país de volta”. Pois a ONU informa que a fome voltou ao Brasil. O seu país, finalmente, voltou. E se você a ele reivindicar as cores verde e amarela, fique com elas. Não me farão falta as cores de um país em que uma criança morria a cada cinco minutos de fome. Um país hipócrita que não aceita vidraça quebrada, mas nunca se importou com as muitas Anas Cláudias e Evangelistas a enterrarem seus filhos em caixas de sapato, como “querubins sem pecado”, no único consolo possível.
Que bom que as cores nos diferem. Você fica com a hipocrisia em verde amarelo e eu procuro qualquer outra que dê guarida a um país sem fome. Quem nos olhar saberá de pronto que não me misturo com quem prefere o cassetete à cabeça do estudante, quem prefere o privilégio da gravata à comida da criança, quem tem força física para bater em panela, mas padece de inanição moral.
Não sei se já falei, mas em 2001, aos sete anos do governo de FHC, uma criança morria a cada cinco minutos de fome, no Brasil.
Este país voltou ...
De fome ...”
Jornalista e historiador
Fonte: http://www.feserpmg.com.br