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PEC das Drogas trata questão séria com demagogia

PEC das Drogas trata questão séria com demagogia

A Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC das Drogas, aprovada na terça-feira no Senado, é forte em demagogia e, na hipótese mais otimista, inócua como solução para os problemas causados pelos entorpecentes. O texto que segue para a Câmara não faz a distinção necessária entre usuário e traficante e atrapalha, em vez de ajudar, a discussão a respeito em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A questão exige mais conhecimento técnico e responsabilidade do Congresso.

Se aprovada pelos deputados como está, a PEC aumentará o encarceramento de usuários pegos pela polícia com quantidades pequenas de droga. Com isso, fornecerá mais mão de obra às facções criminosas que atuam nos presídios e terá o efeito contrário ao desejado por quem votou a favor no Senado. Por isso é urgente fazer correções. A situação preocupante da segurança pública não permite leviandade dos legisladores em tema tão sensível.

Desde a aprovação da Lei de Drogas de 2006, o porte de drogas é crime, mas não passível de prisão. Ao não determinar critério objetivo para defini-lo, a legislação deixou em aberto a distinção entre usuários e traficantes. O Senado teve a chance de regular o assunto. Poderia ter feito isso por meio de um projeto de lei. Mas resolveu fechar os olhos para o problema. A PEC aprovada é vaga a respeito, prevendo apenas que seja “observada a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”.

As tais “circunstâncias fáticas” deixam a critério de policiais e juízes o poder de interpretação. É a brecha aberta para decisões distintas em casos semelhantes, para abusos e para colocar na cadeia quem não deveria ser preso. Um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) avaliou o impacto que uma distinção objetiva entre traficante e usuário teria no sistema carcerário. Se a quantidade permitida por usuário de maconha fosse 25 gramas, cerca de 30% dos condenados não teriam sido presos.

O resultado mais visível da indefinição é o inchaço da população carcerária. Há mais de 640 mil detentos no país, 28% dos quais presos por crimes relacionados a drogas. Nas prisões abarrotadas, os chefes do crime organizado obtêm acesso fácil a novos recrutas. Quem é pego com pouca droga logo é solto e pode trabalhar para o tráfico.

A votação no Senado foi uma tentativa de interromper julgamento no STF sobre o porte de drogas. No mês passado, quando o ministro Dias Toffoli pediu vista do processo, havia cinco votos a favor de decidir um critério objetivo para distinguir usuário de traficante. Se a Câmara aprovar a PEC, o julgamento cairá no vazio, mas a Corte poderá ser acionada para avaliar sua constitucionalidade. O melhor seria o Parlamento votar uma lei tecnicamente sensata e condizente com a realidade.

A maconha provoca problemas cardíacos, respiratórios, cognitivos e mentais, sobretudo quando o uso é abusivo. Por óbvio, não se trata de incentivar seu consumo nem o de nenhuma outra droga. Mas o encarceramento de usuários, além de injusto, não resolve o problema. É preciso investir em campanhas para abrir os olhos dos jovens aos riscos. A experiência bem-sucedida para desestimular o tabagismo pode servir de base. A questão essencial é de saúde pública e não pode continuar a ser tratada com tanta demagogia.

Fonte: https://oglobo.globo.com/

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